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Duplo Grau de Jurisdição. Princípio da Livre Apreciação da Prova. Trespasse. Cessão de Exploração. Nulidade. Abuso de Direito. Venire Contra Factum Proprium.

 

 

Dec.Lei 39/95 de 15 de Fevereiro. ; Artº 655º nº2 do CPC; Artº 334º do C.Civil

 

 

 

 

I - A garantia do duplo grau de jurisdição quanto á matéria de facto, introduzida na nossa processualística civil pelo DL 39/95, de 15 de Fevereiro, nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência, visando apenas a correcção de pontuais concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento. Competindo ao Tribunal da Relação, face aos elementos que lhe são trazidos pelos autos, apurar da razoabilidade da convicção probatória do julgador de 1ª instância;

II - A Relação só pode determinar que o Tribunal de 1ª instância fundamente devidamente a decisão proferida sobre algum facto, se este for essencial para a decisão da causa;

III - O poder de livre apreciação do Tribunal respeita também, uma vez produzidas as provas, á determinação do seu respectivo valor, sendo certo que tal princípio da prova livre só cede perante os casos contemplados no nº 2 do art. 655º do CPC;

IV - O que distingue essencialmente o trespasse da cessão de exploração é que naquele há uma transferência definitiva da titularidade do estabelecimento, havendo na cessão uma transferência temporária da mesma. Nada havendo na lei que impeça que o trespasse tenha por objecto um estabelecimento comercial instalado em prédio pertencente ao próprio alienante. E, se este, então, também transfere o gozo do prédio mediante o pagamento de uma determinada renda, alem do trespasse, terá sido ainda celebrado um contrato de arrendamento comercial, cuja nulidade, por falta de forma, apenas pode ser invocada pelo locatário.

V - O venire contra factum proprium, que se traduz no exercício de uma posição jurídica em contradição com o comportamento anteriormente exercido pelo excedente, é uma modalidade do abuso de direito consagrado no art. 334º do CC, assentando a mesma em três pressupostos: a)uma situação objectiva de confiança; b) um investimento na confiança; c)boa fé na contraparte que confiou.

VI - Não é pacifica, sendo antes bem melindrosa, a questão de saber se a invocação da nulidade formal de um negócio jurídico pode ser paralisada quando a mesma constitua abuso de direito;

VII - Parece-nos, contudo, que se devem aferir caso a caso as razões determinantes do formalismo exigido para a validade do negócio jurídico e se o mesmo não for de todo em todo incompatível com a paralisia do direito baseada no seu abuso, deverá dar-se prevalência a este principio, proibindo-se ao respectivo titular o seu exercício.

VIII - Tal podendo acontecer, como in casu sucede, com o contrato de trespasse nulo por falta de forma, arguida pelo transmitente após 16 anos, tendo, entretanto, recebido o acordado preço e assistido á exploração e desenvolvimento do estabelecimento pelos ora apelados, os quais, durante todo este lapso de tempo, sempre agiram como se seus verdadeiros donos fossem. Pelo que, sendo o contrato nulo por falta de forma, é o mesmo vinculante face ao manifesto abuso do excedente.

IX - Sendo duvidosa a legitimidade do exercício do direito dos AA, não deve a conduta destes, que acabaram por decair na acção, ser considerada como gravemente negligente, não se justificando, pois, a sua condenação como litigantes de má fé.

 

Apelação
Proc. nº 1467/2001
Acórdão de 9/10/2001
Relator: Serra Baptista